cultura tuaregue...
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27/11/2009

"VOCÊS TÊM RELÓGIO, NÓS TEMOS O TEMPO" (Entrevista realizada por Víctor-M Amela a Moussa Ag Assarid)

Tradução de Rita Damazio



Não sei a minha idade: nasci no deserto do Sara, sem papéis!
Nasci num acampamento nómada tuaregue entre Tombuctu e Gao, a Norte do Mali. Fui pastor de camelos, cabras, cordeiros e vacas do meu pai. Hoje estudo Gestão na Universidade de Montpellier. Sou Solteiro. Defendo os pastores tuaregues. Sou muçulmano, sem fanatismos.

- Que turbante mais lindo!

- É um tecido fino de algodão, permite tapar a cara no deserto quando a areia se levanta, e ao mesmo tempo vendo e respirando através dele.

- É de um azul incrível...

- A nós os tuaregues chamam-nos “Homens Azuis” por isto: o tecido desbota na nossa pele, ficando azulada.

- Como é feito esse intenso azul?

- Com uma planta chamada Índigo misturada com outros pigmentos naturais. Para nós, tuaregues, o azul é a cor do mundo.

- Porquê?

- É a cor dominante: a do céu, o tecto de nossa casa.

- Quem são os Tuaregues?

- A palavra “Tuaregue” (de origem árabe) quer dizer abandonados, porque somos um velho povo nómada do deserto, solitário, orgulhoso: “Senhores do Deserto”, chamam-nos. A nossa etnia é a Amazigh (Berbére) e o nosso alfabeto, o Tifinagh.

- Quantos são?

- Uns 3 milhões, na maioria ainda nómadas. Mas o povo tende a decrescer... “É necessário que um povo desapareça para sabermos que existia!” dizia uma vez um sábio. Eu luto pela preservação deste meu povo.

- A que se dedicam?

-Pastoreamos rebanhos de camelos, cabras, cordeiros, vacas e burros num reino infinito de silêncio.

- É verdade que é assim tão silencioso o Deserto?

- Se estiveres sozinho naquele silêncio, ouves o próprio bater do coração. Não há melhor lugar para te encontrares a ti mesmo.

-Que recordações de sua infância no deserto conserva com maior clareza?

- Desperto com o sol. Aí estão as cabras do meu pai. Elas nos dão leite e carne, a gente leva-as onde haja água e erva... Assim fez meu bisavô, o meu avô, o meu pai...e eu! Não havia mais que isto a fazer neste mundo, e eu era muito feliz nele!

- Sim? Não parece lá muito estimulante...

- Muito. Aos sete anos ja te deixam afastar do acampamento, para que te ensinem as coisas importantes: respirar o ar, escutar, aguçar a vista, orientares-te pelo sol e pelas estrelas... A deixar-te levar pelo camelo, se te perdes: ele leva-te sempre onde há água.

- Sim, saber isso é valioso, sem dúvida...

- Ali tudo é simples e profundo. Há muito poucas coisas e cada uma tem um enorme valor!

- Então esse mundo e este aqui são muito diferentes, não?

- Ali,(no Deserto) cada coisa nos proporciona felicidade. Cada toque é valioso. Sentimos uma imensa alegria só de nos tocar e de estarmos juntos! Ali ninguém sonha com o que pode vir a ser porque cada um já é!

- O que é que mais o chocou na sua primeira viagem à europa?

- ... Vi toda a gente a correr no aeroporto... No deserto só se corre quando vem uma tempestade de areia! Assustei-me, claro...

- E só para irem buscar as malas...(riso)

- Sim, para isso. Também vi cartazes de raparigas nuas: Porquê essa falta de respeito para com a mulher?, perguntei-me... Depois, no hotel Ibis, tive o primeiro choque da minha vida: vi correr água... e senti vontade de chorar.

- A abundância, o desperdício, não?

- Todos os dias da minha vida havia consistido a ir buscar água! Quando vejo estas fontes decorativas em toda a parte, ainda sinto cá dentro uma dor imensa...

- Tanto assim?

- Sim. No ínicio dos anos 90 houve uma grande seca, morreram animais, ficámos doentes... Eu devia ter uns doze anos, a minha mãe morrreu.. Ela era tudo para mim! Contava-me histórias e ensinou-me a contá-las também. Ensinou-me a ser eu mesmo.

- O que se passou com a sua família?

- Convenci o meu pai que me deixasse ir à escola. Cada dia fazia quase quinze quilómetros. Até que o professor me deu uma cama para dormir e uma senhora dava-me de comer quando passava diante da sua casa... Senti que era a minha mãe que estava a ajudar-me...

- De onde veio esta paixão pela escola?

- Uns dois anos antes tinha passado pelo acampamento do rally Paris-Dakar, e uma jornalista tinha deixado cair um livro da sua mochila.. Eu apanhei-o e devolvi-o. Ela ofereceu-mo e falou-me daquele livro: O Principezinho. Prometi a mim mesmo que um dia seria capaz de o ler.

- E conseguiu.

- Sim. E depois consegui uma bolsa para estudar em França.

- Um tuaregue na Universidade!

- Ah...o que mais me falta aqui é o leite de camela. E a fogueira. E caminhar descalço pela areia quente. E as estrelas: no deserto, ficamos a vê-las todas as noites, e cada estrela é distinta uma da outra, assim como cada cabra é distinta uma da outra... Aqui, à noite, vês televisão.

- Sim.. O que achas que existe de pior aqui?

- Têm tudo mas não chega. Queixam-se. Em França passam a vida a queixar-se! Agarram-se toda uma vida a um banco e à ânsia de possuir, ao frenesim, à pressa...No Deserto, não existem atalhos e sabes porquê? Porque ali nada se quer adiantar a nada!

- Conta-me um dia de felicidade intensa no teu longínquo deserto?

- Todos os dias, duas horas antes do pôr do sol, o calor diminui, o frio ainda não chegou e homens e animais regressam lentamente ao acampamento e vês o perfil de cada um deles a recortar-se num ceú rosa, azul, lilás, amarelo, verde...

- Fascinante...

- É um momento mágico... Entramos todos na tenda e servimos chá. Sentados em silêncio, ouve-se um fervilhar. A calma invade-nos a todos. As batidas dos corações acompassam-se ao fervilhar do chá...

- Que Paz...

- Vocês têm relógio, ali, nós temos o tempo.




Moussa Ag Assarid